Em meio ao burburinho da Avenida Presidente Vargas, em pleno meio-dia de mais um torrido dia de verao no Rio de Janeiro, chamava a atencao aquele senhor muito ereto, de baixa estatura, barba bem cuidada, vestido com uma pesada sobrecasaca cinza escuro e cartola preta. O coitado devia estar fritando de calor. Apoiado em uma bengala, ajustava seus oculos de aro fino e olhava para todos os lados com ar de espanto. Era Machado de Assis, renascido nao se sabe como, em pleno seculo XXI. O que acontece depois, so lendo esse extraordinario livro de Jeanette Rozsas.Neste livro voce encontrara alem de uma riqueza de imagens que ilustram e situam os leitores no Rio de Janeiro antigo durante a leitura:Biografia ilustrada do autor;Glossario;Aperitivos;Viagem no tempoComo nos melhores filmes ou series de ficcao cientifica com viagens no tempo, uma estudante carioca as voltas com um trabalho escolar sobre Machado de Assis encontra na rua um circunspecto senhor barbudo, de casaca, cartola e pince-nez. De inicio acredita ser um ator, mas logo se convence de que e o proprio Machado, que deixou a Eternidade para revisitar os lugares onde viveu.Jeanette Rozsas, autora de admiraveis romances com personagens literarios - Kafka, Edgar Allan Poe, Frankenstein - e reais, como o estranho e chocante personagem de Morrer em Praga - se apodera agora do corpo e da alma de nada menos que o maior escritor brasileiro.Com uma linguagem saborosa, constroi um dialogo entre a moca e o velho senhor, que passam a peregrinar pelo Rio de Janeiro de hoje.Machado, com sua linguagem e termos do seculo XIX, espanta-se com os ruidos da metropole, mas tambem revela que viver no Rio de seu tempo era uma temeridade: a cidade fedia, nao havia saneamento, as calecas e carruagens pulavam nas ruas esburacadas, havia tensao politica nos saloes e nos jornais.Mas havia uma vida intelectual vibrante, pecas teatrais e musicais, saraus, reunioes literarias e filosoficas em locais que ainda hoje sobrevivem. Muitas coisas aconteciam no tempo do Imperador e da Primeira Republica, nos palacios e nas mesas das confeitarias Casteloes, Colombo (aberta ate hoje), Carceller e Pascoal, por cujas portas passava apenas a elite - o povo nem chegava perto.Machado relembra sua vida, do nascimento a morte, a infancia humilde, sua determinacao em estudar e sair da pobreza, sua vitoria e o sucesso, seu casamento bem-sucedido com a portuguesa Carolina - unica mulher a quem amou, embora cortejado por outras mulheres da Corte, aquelas de ''olhos obliquos'', como os de Capitu, queresplandeciam nos saloes.Fala de seus livros, de seu metodo criativo, comenta sobre os personagens, reclama das casas que foram demolidas e que lhe traziam boas lembrancas, discorre sobre as mudancas na cidade e na sociedade, resmunga e tropeca - sem perder a elegancia e a fleuma de leitor dos classicos ingleses e franceses Jeanette e extremamente bem?sucedida em sua tarefa de recriar o ''personagem'' Machadinho, suas ideias e seu tempo. Machado de Assis pulsa em cada linha, diante do olhar embevecido da estudante, e surge diante do leitor de forma tao viva e cativante, que uma leve melancolia nos assalta quando o livro acaba.Luiz Fernando EmediatoEditor